quinta-feira, 20 de agosto de 2009

THE CANTERBURY TALES - Geoffrey Chaucer


Os Contos da Cantuária (pt) ou Os contos de Canterbury (br) (no original em inglês, The Canterbury Tales) é uma obra do século XIV escrita por Geoffrey Chaucer, considerado um dos consolidadores e "pai" do idioma inglês.
Homem de confiança da corte, Chaucer vai a trabalho à Itália e entra em contato com o embrionário Renascimento, o que o aproxima da obra de Dante e de Bocácio, influência importante para a composição desse longo poema narrativo, seu texto mais famoso.
A obra descreve a trajetória de 29 viajantes que, saindo de Tabard Inn, dirigiam-se à catedral da Cantuária a partir de Southwark, nas proximidades de Londres, com o objetivo de prestar homenagem ao santuário de São Thomas Becket, um bispo católico assassinado, em 1170, por partidários do rei Henrique II de Inglaterra.
Entre os componentes estavam um cavaleiro e seu escudeiro, um mercador em armas, monges, um frade mendicante, uma prioresa, pároco, um vendedor de indulgências, um estudante, alguns profissionais liberais (um médico, um advogado, um jurista), um moleiro, um feitor, um cozinheiro, um marinheiro, um carpinteiro, um tintureiro, um tapeceiro, um marujo, um lavrador e uma viúva de cinco maridos.
Durante a viagem os peregrinos iam sendo sorteados para que contassem histórias aos demais: relatos de amor, luxúria, sexo e morte, que teriam inspiração em Boccaccio e que apresentam a realidade social da Inglaterra do século XIV.
Os Contos da Cantuária são uma espécie de narração em verso de acontecimentos curiosos, textos recheados de passagens pitorescas, citações clássicas, ensinamentos morais, relacionados à vida e aos costumes do século XIV na região da Cantuária e, por extensão, no resto da ilha britânica. A obra teria influenciado grandes escritores ingleses como William Shakespeare e John Milton.
WIKIPÉDIA

OS CONTOS DE CANTERBURY

Excertos do Prólogo

Quando o chuvoso abril cortou feliz
A secura de março na raiz,
E banhou cada veia no licor
Que tem o dom de produzir a flor;
Quando Zéfiro com o alento doce
Para as copas e os campos também trouxe
Tenros brotos, e o sol de pouca idade
Do curso em Aries percorreu metade,
E a passarada faz o seu concerto,
E dorme a noite inteira de olho aberto
(Que a natureza acende o coração),
Então se vai em peregrinação,
E até nos mais inóspitos confins
Aos santuários chegam palmeirins;
Enquanto na Inglaterra toda gente
Visita Cantuária especialmente,
A fim de conhecer a sepultura
Do santo mártir que lhes trouxe cura.
Naquele tempo, um dia aconteceu
Que em Southwark, no Tabardo, achando-me eu
Pronto a seguir em peregrinação
A Cantuária, todo devoção,
Vieram essa noite à hospedaria
Bem vinte e nove numa companhia
De pessoas diversas que os destinos
Reuniram, por serem peregrinos
Buscando o mesmo fim de igual maneira.
Eram amplos os quartos e a cocheira,
E assim tivemos lá ótimo pouso.
E logo quando o sol buscou repouso,
Falara com cada um, se bem me lembro;
Assim, da comitiva fiquei membro,
E concordei em levantar-me cedo
Para partir, como a narrar procedo.
Porém enquanto tenho tempo e espaço,
E antes que nesta história avance o passo,
Creio de bom alvitre e boa razão
De cada um descrever a condição,
Mostrando, em meu juízo pessoal,
O modo de posição de cada qual,
E também suas roupas e ativo:
E com um cavaleiro principio.
(vv. 1-42)

O Cavaleiro

Havia um CAVALEIRO, um homem digno,
Que sempre, tendo as armas como signo,
Amou a lealdade e a cortesia,
A honra e a franqueza da cavalaria.
Nas guerras de seu amo lutou bem,
E mais distante não andou ninguém,
Entre os pagãos ou pela cristandade;
E sempre honrado por sua dignidade.
Já vira Alexandria prisioneira;
Muitas vezes tomara a cabeceira,
Precedendo às demais nações na Prússia;
A Lituânia visitara, e a Rússia,
Onde cristão tão nobre não se vira.
Em Granada, no cerco de Algecira,
Estivera também, e em Belmaria.
Passou depois por Ayas e Atalia
Quando Caíram, e no Grande Mar
Pôde altos desembarques presenciar
Travou lutas mortais, uma quinzena,
E pela fé bateu-se em Tramassena,
Em três justas, matando ao inimigo,
A este bravo levou então consigo
Certa vez o senhor de Palatia,
Contra um outro pagão lá na Turquia:
Louvores mereceu de todo lábio.
E, além de ser valente, ele era sábio,
Modesto qual donzela na atitude,
Pois jamais dirigiu palavra rude,
Em toda a vida, a estranho ou companheiro.
Era um gentil, perfeito cavaleiro.
Quanto à aparência, era isto que vos falo:
Simples no traje; bom o seu cavalo.
Via-se a grossa túnica manchada
Pela cota de malha enferrujada,
Pois voltava de mais uma missão,
Saindo logo em peregrinação.
(vv. 43-78)

A Prioresa

E estava lá uma freira, PRIORESA.
Sorria assim como a modéstia sói,
E, se jurava, era por Santo Elói;
Essa dama chamava-se Eglantina.
Sempre cantava a prática divina
Com voz fanhosa tal como convém;
Falava ela francês bonito e bem,
Como em Stratford-at-Bow a gente o diz,
E não com o sotaque de Paris.
Sua conduta à mesa era educada;
Da boca não deixava cair nada,
Nem no molho afundava muito os dedos.
Da graça no comer tinha os segredos,
Sem uma gota respingar no peito.
O seu refinamento era perfeito.
Limpava tanto o lábio superior
Que a taça em que bebia o seu licor
Nenhum indício tinha de gordura;
Sabia ela servir-se com finura.
E era de ânimo alegre, certamente,
E se mostrava amável e contente;
As etiquetas copiava inteiras
Da corte, para ter boas maneiras
E de todos granjear a reverência.
Para falar, porém, de Sua consciência,
Tinha tanta piedade e fino trato,
Que até chorava quando via um rato
Morto na ratoeira, ou a sangrar
Os seus cãezinhos vinha alimentar
Com pão branquinho e leite e carne assada.
Mas, se um deles levasse bastonada,
Ou se morresse, ardia de aflição:
Era toda consciência e compaixão.
O véu pregueado lhe estava mal;.
Nariz reto; olhos cinza, de cristal;
Pequena a boca rúbida e macia;
Bela testa sem dúvida exibia,
Com quase um palmo de largura, eu acho;
Não era nada magra por debaixo
Das vestes, apropriadas por sinal.
Tinha ao braço um rosário de coral
Com as contas maiores esverdeadas,
E um medalhão de refrações douradas
Onde se lia, coroado, um A,
E depois: Amor vincit omnia.
(vv.118-162)

O Médico

Conosco estava um MÉDICO também;
Em todo o mundo não existe alguém
Tão bom em medicina e cirurgia,
E alicerçado assim na astronomia.
Previa a hora propícia contra o mal
Pelo uso da magia natural.
Com firmeza traçava ele o ascendente
Dos amuletos para o seu paciente.
Via a causa de cada enfermidade
No frio, calor, secura ou umidade,
Onde nascia, e qual o seu humor;
Era um perfeito, um ótimo doutor.
Sabendo a fonte de onde o mal provinha,
Receitava ao enfermo sua mezinha,
Surgiam a seguir os boticários
Com suas drogas e remédios vários,
Pois a esta classe aquela classe obriga
Numa amizade já bastante antiga;
Seu Esculápio conhecia bem,
Rufus e Deiscórides também,
O velho Hipócrates, Ali, Galeno,
Serapião, Razis e Damasceno;
Avicena, Averróis e Constantino;
Bernardo e Gatesden e Gilbertino.
Tinha a dieta muito moderada,
Pois de supérfluo não comia nada,
Mas só alimento rico e digestivo.
Em ler a Bíblia parecia esquivo.
É De vermelho e de azul vinha vestido;
De seda e tafetá era o tecido
Gastava o seu dinheiro com cuidado,
Guardando o que na peste havia lucrado.
Como o ouro entre os cordiais tem mais valia,
Ao ouro mais que tudo ele queria.
(vv. 411-444)

A Mulher de Bath

Uma MULHER de BATH havia em cena;
Mas era meio surda, o que era pena.
De bons tecidos era fabricante,
Chegando a superar Yprês e Gante.
Tirar-lhe alguém na igreja a precedência
No beijo da relíquia era imprudência,
Porque ela abandonava as boas maneiras
E perdia de vez as estribeiras.
Seus lenços, feitos das melhores fibras,
Por certo pesariam bem dez libras,
Que aos domingos na testa carregava.
Nas calças justas o escarlate usava,
E era novo e macio o seu calçado;
Rosto atrevido, belo e avermelhado.
Em sua vida digna. e benfazeja
Cinco vezes casara-se na igreja -
Fora os casos de sua juventude
(Falar disso, porém, seria rude).
Com três viagens a Jerusalém,
Atravessara rios mais que ninguém;
Em Roma tinha estado, e mais Boulogne;
Na Galícia, em Santiago, e então Colônia.
Vira assim muitas coisas diferentes.
Mostrava uma janela entre seus dentes.
Num cavalo esquipado, usando um véu,
Cavalgava debaixo de um chapéu
Mais largo que um broquel ou que um escudo;
Sobre os amplos quadris, um sobretudo;
De esporas pontiagudas se servia.
Ria e tagarelava em companhia.
Dos remédios de amor tinha abundância,
Pois dessa arte sabia a velha dança.
(vv.445-476)

O Moleiro

Era forte o MOLEIRO, era um colosso,
De músculo era grande, e grande de osso,
E onde lutasse, no pais inteiro,
Sempre levava o prêmio do cameiro.
Era entroncado, largo atrás e à frente.
Tirava qualquer porta do batente,
Ou na testa a quebrava em disparada.
A barba era uma pá, larga e arruivada,
Como porca ou raposa no matiz.
Havia, no espigão de seu nariz,
Verruga de pelugem tão vermelha
Quanto as cerdas que a porca tem na orelha,
Suas narinas, antros de negrura.
Tinha broquei e espada na cintura.
A boca era fornalha desmedida.
Só matracava casos de má vida,
Histórias de pecado e putaria.
Roubava o trigo, e nisto se servia
De seu polegar de ouro, por Jesus.
Branco o casaco, e azul era o capuz.
Tocava a cornamusa com vontade,
E assim nos trouxe fora da cidade.
(vv. 545-566)

A Sugestão do Taberneiro

"Senhores", disse, "agora eis o melhor;
E fazer pouco caso ninguém deve.
Este o ponto - serei rápido e breve:
Que cada um, já que a estrada é tão comprida,
Conte dois contos na viagem de ida
A Cantuária, e que, também depois,
Na volta, cada qual conte mais dois,
Sobre casos antigos do passado;
E aquele que melhor tiver contado,
Ou seja, quem narrar, na circunstância,
Os contos de mais graça e mais substância,
Vai ganhar de nós todos um jantar,
Sentado mesmo aqui neste lugar,
Quando acabar-se a peregrinação.
E, para que haja mais animação,
Eu com prazer me agrego à companhia,
Às minhas próprias custas, como guia.
E quem contradisser meu julgamento
Das despesas fará o pagamento.
Se com isso vós todos concordais,
Dizei-me logo,, não se fala mais,
E eu vou me preparar para a partida."
(vv. 788-809)

VIZIOLI, Paulo. A Literatura Inglesa Medieval. São Paulo: Nova Alexandria, 1992. Edição bilíngüe. Seleção, tradução e notas de Paulo Vizioli.

Um comentário:

milisa disse...

Olá Marcia
Adorei.Espetacular.
Beijos

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